A Monstro Discos anunciou esta semana o lançamento, em vinil 180 gramas, de mais uma obra prima do genial Júpiter Maçã, pelo projeto Série Ouro. Gravado em 2004 e lançado originalmente em 2006, na Espanha, e em 2008, no Brasil, o disco Uma Tarde na Fruteira irá ganhar uma edição em vinil duplo, com capa gatefold e encarte cheio de fotos. As duas versões serão lançadas, já que trazem músicas e capas diferentes. A previsão é que os discos saiam no final de janeiro, mas o selo goiano já abriu a pré-venda com preços promocionais.
Em Uma Tarde na Fruteira, Júpiter Maçã (ou Jupiter Apple) apresenta 15 “mosaicos de imagens mil” (citando o próprio). Cada faixa do disco é como um giro em caleidoscópio. Júpiter abraça a Jovem Guarda, passa para jazz, homenageia o beatle George, encaixa a cítara na Bossa Nova, mistura tempero francês ao alt.country e… E? Nocauteia quem tenta aprisionar uma obra tão rica quanto complexa e saborosa assim em rótulos ou definições.
A versão espanhola não traz canções como Beatle George, mas incluía músicas de outros dois discos: Plastic Soda e Hisscivilization. Em 2008, o disco foi lançado no Brasil, pela própria Monstro, com a inclusão de músicas inéditas e a saída das faixas desses álbuns já lançados aqui. À época a Monstro lançou ainda dois compactos em vinil, 7 polegadas, com músicas dessa obra genial.
No disco, Júpiter joga limpo. Tão limpo que assume emular o timbre de Caetano quando o faz, em batizar uma marchinha de marchinha e a homenagem a Harrison de “Beatle George”. Como encarar um sujeito assim? Desista. Ouça o disco de alma limpa, sem julgamento prévio e esqueça este texto. Feito isso, você começará justamente por “A Marchinha Psicótica do Dr. Soup”, a marchinha citada acima em que Júpiter surrupia o timbre de Caetano. Depois, homenageia a si próprio, os lugares do caralho e tudo o mais na jovem guardiana “Tema de Júpiter Maçã”. Submerge o vocal na mistura de Tropicália com Kraftwerk de “Base Primitiva Revisitada”.
Astronauta Pingüim é convocado para tocar flauta sobre fundo dramático e tribal em “As Mesmas Coisas”. No meio dos 5 minutos e 40 segundos desta, um portal de entrada psicodélico se abre. A sexta faixa do disco é uma balada linda, com colaboração vocal e percussiva de Thalita Freitas, “Little Raver”. Mais uma guinada, desta vez para um rock sintetizado alto-astral, “A Menina Super Brasil”, com encaixe de linha de baixo no ângulo. “Plataforma 6” é um mexidão sem fronteiras alternado com jazz e reforço de cítara. A psicodelia sessentista volta forte em “Síndrome de Pânico”, desta vez num rock à beatle “Day Tripper”.
Outra referência do final dos 1960/início dos 70 é Captain Beefheart no blues infernal “Casa de Mamãe”. “E eu gosto de Porto Alegre”, uiva Júpiter de tempos em tempos. “Beatle George” é o que foi citado no início deste texto, música que passaria batida dentro de “All Things Must Pass”, com direito a cítara e “Krishna” no coro. São tantas informações no trabalho que tarefa das mais complexas seria escolher o single, a música de trabalho, aquela que dá cara à obra. Noves fora, talvez “Mademoiselle Marchand” ganhasse por um nariz de vantagem. Aqui, a sonoridade e citações francesas pontuam alt.country que se transforma por vezes em rock setentista com barba e cabelos encaracolados de Raul Seixas. Da Bahia também vem uma referência para a música seguinte, “Carvão Sobre Tela”, em que Júpiter embola a cítara na Bossa Nova e canta como se fosse o Caetano do disco “O Estrangeiro”. “Viola de Aço” é Tom Zé com Mutantes. Na verdade é mais Tom Zé do que Mutantes. E a canção vai se mostrando camada por camada, como um quadro psicodélico em texturas que vão se sobrepondo em Photoshop imaginário. E a obra fecha com a psicodelia engarrafada de “Um Sorvete Com Vocês”.
E o mais impressionante é que Uma Tarde na Fruteira continua tão importante hoje quanto foi na época de seu lançamento… e quanto será daqui outros 10 ou 20 anos.