Entrevista exclusiva com Ritchie Court
O Música e Cinema teve a grande oportunidade de entrevistar o grande músico Ritchie, um verdadeira lenda do cenário musical brasileiro, tendo vindo da Inglaterra como visitante, acabou se tornando um verdadeiro brasileiro, alcançando o sucesso com músicas em português e chegando ao topo das paradas musicais dos anos 80 com músicas como Menina Veneno. Hoje Ritchie continua na ativa, fazendo shows, participando de especiais e trabalhando de maneira independente com seu selo (PopSongs).
Entrevista com Ritchie
Ritchie é natural de Beckenham (Inglaterra), onde morou por algum tempo, migrando em seguida devido ao trabalho de seu pai, que era militar, fazendo com que mudanças acontecessem volta e meia, assim Ritchie morou em alguns países, como Alemana, Dinamarca e Escócia.
No início de sua carreira, cantava e tocava flauta (instrumento que lhe acompanha até hoje), sendo este segundo uma inspiração do vocalista do Ian Anderson (Jethro Tull).
No brasil, participou de bandas como Vímana, até lançar seus grandes sucessos, que incluem “Menina Veneno”, “Baby, meu bem” e a mais recente, “Pelo Interfone”.
Ritchie foi muito atencioso com a equipe do Música e Cinema, respondendo todas as perguntas que lhe enviamos. Entrevista completa abaixo:
Leonardo Caprara: Qual foi seu primeiro contato com a música?
Ritchie: Meu avô materno era músico, tocava banjo e piano, nos estilos “stride” e “ragtime”, o que me impressionava muito desde muito pequeno, especialmente a mão esquerda, saltitante entre oitavas. Aos 5 anos comecei a cantar num coral de igreja Anglicana na Alemanha, (meu pai era militar, a família viajava muito). Isso seguiu, com ensaios quase diários, até meus 19 anos, já nos colégios internos da Inglaterra. A escola ficava na clausura de uma abadia fundada no século III. Aprendi minhas primeiras noções de harmonia e contraponto no canto coral, cantando Handel, Vaughan Williams, Britten, Verdi, Mozart, Schumann e Schubert. Tive aulas de canto lírico, fui solista soprano até os doze anos, quando fiz uma pequena turnê das catedrais do sudoeste da Inglaterra cantando as canções de Schubert. Aos 13, ouvi os Beatles, mudou tudo, principalmente para mim à partir do LP Revolver, em especial a canção, Eleanor Rigby, cujo arranjo mesclava o estilo clássico ao pop. Fui fisgado pela fusão dos gêneros musicais e decidi que eu queria um dia ser músico e, eventualmente, (nas minhas fantasias mais loucas), cantor de música pop.
Leonardo Caprara: Porque decidiu abandonar a faculdade e se dedicar a música?
Ritchie: Quando eu visitei Brasil em 1972, pensei em ficar no máximo 3 meses e voltar aos estudos na Inglaterra, mas no final desses 3 meses eu já estava casado com uma brasileira e não queria mais saber de voltar àquele frio londrino. Decidi fazer a minha vida por aqui, de preferência como músico mas inicial e necessariamente como professor de inglês. Tive que largar as aulas de inglês quando Menina Veneno estourou nas rádios do país inteiro. Só a partir desse momento – eu já quase aos 30 anos – me tornei um músico profissional, vivendo exclusivamente de música como artista e compositor.
Leonardo Caprara: Quando migrou para o Brasil, as oportunidades foram maiores?
Ritchie: Na música? Acho que nem tanto. No começo dos anos 70 existiam poucas equipes de som, todas as bandas precisavam ter seu próprio sistema de PA, amps, mics e monitores de palco para os shows. Não haviam empresários de Rock, que era considerado pelas gravadoras um gênero musical de pouco apelo e sem custo-benefício no Brasil. Não existia um circuito de shows no país, era tudo muita novidade. As bandas do Rio tocavam no só no Rio e as de SP ficavam em SP. Ainda havia pouco intercâmbio, era cada um por si, literalmente. Nos anos 80, melhorou bastante quando o RockBR estourou no país, deu as caras na TV aberta, e abriu o caminho para centenas de bandas de rock nacionais. Uma boa infraestrutura evoluiu em torno das boas bandas emergentes e do dinheiro investido pelas gravadoras. Mas no início dos ’70, era duro: Arte pela Arte.
Leonardo Caprara: Entrando no Vímana, com companheiros como Lulu Santos e Lobão e indo direto para os vocais, você alcançou o que pretendia no Brasil?
Ritchie: Toquei flauta, além de cantar, mas pouco, durante 3 anos com outras bandas antes de ingressar no Vímana. Tive aulas com Paulo Moura e Egberto Gismonti, fiz música progressiva com Scaladácida, fui instumentista de MPB com A Barca do Sol, flertei com o jazz com Soma, tudo isso antes do Vímana, onde comecei a cantar em português pela primeira vez, o que era minha meta maior na época. Eu nunca pretendia nada muito além de poder viver de música no país que eu havia escolhido para morar, o Brasil. Para isso tive que deixar de lado minha língua materna para aprender a cantar convincentemente em português. Levou quase 10 anos mas, para minha própria surpresa, acabou dando muito certo.
Leonardo Caprara: A convivência com duas personalidades tão fortes como Lobão e Lulu Santos, gerou episódios engraçados?
Ritchie: As melhores histórias são a respeito dos outros membros da banda, que conviviam numa casa nessa época. Eu apenas participava dos ensaios de tarde, porque ainda trabalhava até às 14h como professor de inglês. Tivemos muitos bons momentos e alguns episódios tristes, feito briga de irmão, também. Acontece nas melhores famílias!
Leonardo Caprara: Quando você viu as letras de músicas como Menina Veneno, sentiu que todo aquele sucesso estava por vir?
Ritchie: Não, porquê a probabilidade daquilo chegar a ser gravado e lançado era quase inexistente. Eu não tinha contrato com gravadora alguma e vinha sendo rejeitado por todas elas como “inviável no Brasil”. Sabiamos, eu e Bernardo Vilhena, que a música era boa e que teria uma boa chance de agradar aos ouvintes brasileiros se ela tivesse ao menos uma chance de tocar nas rádios. Mas tudo isso era ainda um sonho distante quando a música foi composta em 1982. Vôo de Coração foi gravada num porão, longe dos grandes estúdios, com amigos queridos emprestando equipamentos e talento. Os vocais foram gravados no banheiro adjacente porque tinha uma ressonância natural bem bonita, devido aos azulejos. Às vezes, uma limitação é uma dádiva. É preciso estar atento… e forte!
Leonardo Caprara: Quando se chega a um auge com grandes canções, a pressão por novos lançamentos do mesmo patamar afeta o artista?
Ritchie: Claro. O artista quer explorar, a gravadora quer mais-do-mesmo. Surge uma série de conflitos de interesse e de prioridades que não existiam antes do sucesso. Meu primeiro disco levou dois anos pra ser lançado, não havia pressão, apenas desafios. Imediatamente após o sucesso é claro que havia todo tipo de pressão para repetir a dose com “outra Menina Veneno” mas qual seria a graça nisso?. Ela é preciosa justamente por ela ser única na minha obra, como as outras.
Leonardo Caprara: Sabemos que hoje você conta com seu próprio selo, de onde surgiu a ideia para criar a PopSongs?
Ritchie: Popsongs já existe desde 1984 como editora musical e reúno todo o meu catálogo de composições. O que fiz em 2009 foi agregar as funções de um selo, isso para poder lançar o DVD independente, Ritchie – Outra Vez (ao vivo no estúdio), já que eu estava sem contrato com uma gravadora. Popsongs, aliás, foi o primeiro selo do país a lançar um disco Bluray™ inteiramente produzido e fabricado no Brasil.
Leonardo Caprara: Como você avalia o momento musical brasileiro atual?
Ritchie: Depende muito do ponto de vista. Funkeiros, Sertanejos e Tecnobregas devem estar achando este um momento incrível. Mas quais dessas canções ainda serão cantadas daqui a 30 anos? Não estou julgando, apenas querendo mostrar que o mundo da música popular dá muitas voltas e o que fica no final da história são as grandes canções que atravessam as gerações, sem apelar a modismos. Mas ainda se faz – e continuo ouvindo – muita boa música, sendo feita todos os dias, tenho um gosto bem eclético, minha coleção pessoal é principalmente de artistas internacionais mas entra muita música brasileira também.
Leonardo Caprara: Em questões de lançamentos, o que está pretendendo? veremos álbuns cantados em inglês?
Ritchie: Não decidi ainda entre um Volume 2 do disco 60 em inglês ou um EP digital (download apenas) de 4 músicas em português que estão prontas mas ainda não gravadas. Vou deixar a decisão para 2014.
Leonardo Caprara: Quais seus planos para 2014?
Ritchie: No começo do ano vou aparecer nos canais da HBO num episódio do mini-seriado “Destino: Rio de Janeiro”, dirigido por Fabio Mendonça, que conta as histórias de diversos estrangeiros que optaram por morar no Rio ou visitar a cidade. No episódio dos ingleses, (que estreia em 12 de janeiro), faço o papel de um alto executivo britânico de uma multinacional que se torna vitima de um golpe financeiro nas mãos de um misterioso casal.
Nos palcos, continuo fazendo meus shows pelo Brasil, tanto com minha própria banda como em participações especiais, festas Anos 80 etc, junto com outros artistas, temos datas fechadas até setembro 2014, é sempre um sucesso. Tenho trabalhado muito ultimamente com artistas emergentes de São Paulo. Espero que alguns desses novos contatos possam render futuras colaborações musicais. Mas antes disso acho que devo voltar aos estúdios para gravar material novo.. Ou, quem sabe…. talvez eu faça outro filme? 😉
Leonardo Caprara: Muito obrigado pela oportunidade Ritchie, agora deixe um recado para os leitores do Música e Cinema:
Ritchie: Um abraço aos amigos do Música e Cinema! Sucesso e saúde em 2014!
Toda equipe agradece imensamente o carinho e atenção de Ritchie e deseja igualmente sucesso e um feliz 2014 para toda essa grande família Música e Cinema!
Disse tudo
Exato, uma grande pessoa com grandes opiniões. Obrigado pela participação, abraço!